Há algum tempo tenho tido a certeza que uma
péssima educação pode ser a responsável pelo contínuo ciclo de pobreza. Sempre
fui atento ao que estava ao meu redor e como garoto pobre (mas feliz) a pobreza
me cercava. A escola (pública) para mim e todos os meus parceiros de meninice
era o espaço de possibilidades. Estudar não era tão fácil como nos dias de hoje.
Entrávamos no ensino fundamental aos sete/oito anos, precisávamos ter todo o
uniforme[1], comprar os livros na livraria
da praça visto que naquela época não existia o PNLD[2] e muitos materiais
escolares. Lembro com muito saudosismo daquela época, apesar das grandes
dificuldades de minha querida mãe em tentar manter seis filhos em idade escolar
nos esforçávamos o máximo que podíamos para que ela se alegrasse da gente.
Sempre estudei em escola pública e na maioria das vezes tive professores
compromissados que contribuíram e muito na minha formação.
Mais de vinte anos se passaram daquela época.
Há onze, sou professor em minha cidade e de lá para cá tenho acompanhado a
mudanças dos tempos e das condições da educação básica (pública) por aqui. Vejo
que a escola mudou muito. Os alunos não precisam mais ter todo o uniforme, ou
melhor, o uniforme de agora é menos exigido do que nas décadas de 80 e 90. A
escola doa livros, não cobra mais nenhum material de artes ou artesanato, e em muitos
casos doa até cadernos, lápis e caneta. Quase todos os professores possuem
formação específica na disciplina e ganham no mínimo o dobro do que os
vencimentos dos mestres no passado. A diferença de alguns desses para muitos daqueles
é o amor à profissão.
Analisando outros aspectos das escolas de “antes”
e das escolas de “agora” vejo algo de muito perverso no ar. Nas escolas “antes”
o filho do rico e do pobre estudavam juntos. Não tinha a variedades de escolas
particulares e federais. Todos circulavam no mesmo espaço, interagíamos dentro
e fora da sala de aula e era comum o convívio (quase) pacífico entre as classes
sociais. Agora está tudo muito louco. Conseguimos estratificar a sociedade
através das escolas. Nas três escolas de ensino fundamental (sede), podemos
perceber um grande abismo social, educacional e estrutural na educação do nosso
município. Numa escola apenas os selecionados, os melhores de todas as escolas,
os filhos “das famílias perfeitas” e que não há espaço para os repetentes,
distorcidos série/idade, deficientes e em pequena escala pobres, negros,
ruralistas e suburbanos. Na outra, por uma década tem sido destinada “apenas” aos
alunos ruralistas, periféricos, repetentes, distorcidos, “problemáticos” e membros
de “famílias imperfeitas”.
O problema não é este ou aquele público-alvo.
O problema está principalmente que na escola “daqueles” há uma prática
pedagógica diferenciada, uma estrutura mais adequada, e o resultado disso são
alunos aprovados nas escolas federais e futuramente ingressos de universidades
públicas estaduais/federais. Já na escola “destes” que eu vejo alguns dias da
semana, sinto-me (acho que eles sentem também) que é uma “quase-prisão”. Um
corredor de muitos metros de comprimento por menos de dois de largura e centenas
de alunos se amontoando e se agredindo nos quinze minutos de intervalo. Prefiro
não ver o que eles merendam (autodefesa) para não sofrer. Devo questionar
porque em dez anos acredito que apenas uma aluna saiu de cá e foi para o IFBA.
Será que não preparamos os alunos para realizar uma prova de admissão? Será que
não estamos fingindo que estamos educando? Será que no fundo, no fundo os
governantes não se importam se os alunos estão aprendendo? Acho que para a
primeira pergunta, talvez e para a segunda pergunta a resposta é com certeza.
Então, se alunos, pais, professores e até o
corpo administrativo sabem das muitas problemáticas da escola e do jeito que
está não pode ficar, por que não tomamos uma providência drástica e melhoramos
esta situação? A resposta eu já dei antes, porque nossos alunos são pobres, negros,
ruralistas, periféricos, repetentes, distorcidos, “problemáticos” e de “famílias
imperfeitas” e para todos estes ficou apenas o silêncio e a opressão.
[1] O uniforme escolar era
calça jeans azul, camisa, meia e sapato-conga.
[2] O Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) tem como principal a distribuição de coleções de livros didáticos aos
alunos da educação básica. O programa é
executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o MEC adquire e
distribui livros para todos os alunos de um segmento, que pode ser: anos
iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental ou ensino
médio. À exceção dos livros consumíveis, os livros distribuídos deverão ser
conservados e devolvidos para utilização por outros alunos nos anos
subsequentes.
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