segunda-feira, 27 de maio de 2013

O negro, o pobre, o periférico e a escola.



Há algum tempo tenho tido a certeza que uma péssima educação pode ser a responsável pelo contínuo ciclo de pobreza. Sempre fui atento ao que estava ao meu redor e como garoto pobre (mas feliz) a pobreza me cercava. A escola (pública) para mim e todos os meus parceiros de meninice era o espaço de possibilidades. Estudar não era tão fácil como nos dias de hoje. Entrávamos no ensino fundamental aos sete/oito anos, precisávamos ter todo o uniforme[1], comprar os livros na livraria da praça visto que naquela época não existia o PNLD[2] e muitos materiais escolares. Lembro com muito saudosismo daquela época, apesar das grandes dificuldades de minha querida mãe em tentar manter seis filhos em idade escolar nos esforçávamos o máximo que podíamos para que ela se alegrasse da gente. Sempre estudei em escola pública e na maioria das vezes tive professores compromissados que contribuíram e muito na minha formação.

Mais de vinte anos se passaram daquela época. Há onze, sou professor em minha cidade e de lá para cá tenho acompanhado a mudanças dos tempos e das condições da educação básica (pública) por aqui. Vejo que a escola mudou muito. Os alunos não precisam mais ter todo o uniforme, ou melhor, o uniforme de agora é menos exigido do que nas décadas de 80 e 90. A escola doa livros, não cobra mais nenhum material de artes ou artesanato, e em muitos casos doa até cadernos, lápis e caneta. Quase todos os professores possuem formação específica na disciplina e ganham no mínimo o dobro do que os vencimentos dos mestres no passado. A diferença de alguns desses para muitos daqueles é o amor à profissão.

Analisando outros aspectos das escolas de “antes” e das escolas de “agora” vejo algo de muito perverso no ar. Nas escolas “antes” o filho do rico e do pobre estudavam juntos. Não tinha a variedades de escolas particulares e federais. Todos circulavam no mesmo espaço, interagíamos dentro e fora da sala de aula e era comum o convívio (quase) pacífico entre as classes sociais. Agora está tudo muito louco. Conseguimos estratificar a sociedade através das escolas. Nas três escolas de ensino fundamental (sede), podemos perceber um grande abismo social, educacional e estrutural na educação do nosso município. Numa escola apenas os selecionados, os melhores de todas as escolas, os filhos “das famílias perfeitas” e que não há espaço para os repetentes, distorcidos série/idade, deficientes e em pequena escala pobres, negros, ruralistas e suburbanos. Na outra, por uma década tem sido destinada “apenas” aos alunos ruralistas, periféricos, repetentes, distorcidos, “problemáticos” e membros de “famílias imperfeitas”. 

O problema não é este ou aquele público-alvo. O problema está principalmente que na escola “daqueles” há uma prática pedagógica diferenciada, uma estrutura mais adequada, e o resultado disso são alunos aprovados nas escolas federais e futuramente ingressos de universidades públicas estaduais/federais. Já na escola “destes” que eu vejo alguns dias da semana, sinto-me (acho que eles sentem também) que é uma “quase-prisão”. Um corredor de muitos metros de comprimento por menos de dois de largura e centenas de alunos se amontoando e se agredindo nos quinze minutos de intervalo. Prefiro não ver o que eles merendam (autodefesa) para não sofrer. Devo questionar porque em dez anos acredito que apenas uma aluna saiu de cá e foi para o IFBA. Será que não preparamos os alunos para realizar uma prova de admissão? Será que não estamos fingindo que estamos educando? Será que no fundo, no fundo os governantes não se importam se os alunos estão aprendendo? Acho que para a primeira pergunta, talvez e para a segunda pergunta a resposta é com certeza.

Então, se alunos, pais, professores e até o corpo administrativo sabem das muitas problemáticas da escola e do jeito que está não pode ficar, por que não tomamos uma providência drástica e melhoramos esta situação? A resposta eu já dei antes, porque nossos alunos são pobres, negros, ruralistas, periféricos, repetentes, distorcidos, “problemáticos” e de “famílias imperfeitas” e para todos estes ficou apenas o silêncio e a opressão.


[1] O uniforme escolar era calça jeans azul, camisa, meia e sapato-conga.
[2] O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como principal a distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da educação básica.  O programa é executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o MEC adquire e distribui livros para todos os alunos de um segmento, que pode ser: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental ou ensino médio. À exceção dos livros consumíveis, os livros distribuídos deverão ser conservados e devolvidos para utilização por outros alunos nos anos subsequentes.